A repressão do Estado a protestos no Brasil não é exatamente uma novidade. Durante boa parte do período da Ditadura Civil Militar (1964-85) a liberdade de expressão foi formalmente censurada – medida que valia não apenas para órgãos de imprensa mas também para protestos de rua. Já durante o período democrático, que dura até hoje, também não são raros os registros de violência policial contra manifestantes.

Mas de 2013 para cá esse cenário repressivo se intensificou. Episódios de violência policial se multiplicaram, novas táticas para cercar manifestantes surgiram, equipamentos modernos de contenção de multidão foram adquiridos, contingentes cada vez maiores de policiais passaram a ser designados para acompanhar protestos. Para piorar, o recrudescimento da repressão não se restringiu apenas às ruas, mas teve paralelo também no Judiciário (que passou a criminalizar manifestantes sob acusações frágeis) e no Legislativo (que viu explodir o número de projetos de leis que visam restringir o direito à manifestação).

Todo este cenário é analisado no relatório “As ruas sob ataque: protestos 2014 e 2015”, lançado pela ARTIGO 19 Brasil, que analisou 740 protestos nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro ocorridos entre janeiro de 2014 e julho de 2015. E a constatação é bastante preocupante: violações que em 2013 ocorreram em um número extremamente alto seguiram sendo cometidas de forma sistemática nos últimos dois anos.

Na lista de violações cometidas por policiais estão a falta de identificação, a realização de detenções arbitrárias, o emprego desproporcional de efetivo policial e de armamento menos letal (como balas de borracha e gás lacrimogênio) e até o uso de armas letais (registrado em quatro manifestações).

Segundo o relatório, o amplo cenário de violações verificadas em protestos desde 2013 se agrava pela falta de responsabilização daqueles que cometeram abusos. Praticamente nenhuma punição a agentes públicos que cometeram atos de violência em manifestações foi registrada, o que acaba reforçando o ciclo de violações.

O investimento do Estado no aprimoramento do aparelho repressivo aumentou no período analisado. No caso de São Paulo, o governo do Estado abriu licitação para a compra de veículos blindados a serem usados em manifestações, tendo como principal argumento a realização dos megaeventos esportivos (Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas).

No âmbito do legislativo alguns projetos de lei se destacaram no intuito de restringir o direito ao protestos. Entre estes destacam-se os que buscaram tipificar o crime de “desordem” e a proibição o uso de máscaras em manifestações. Nenhum deles, porém, teve continuidade.

Acionados para julgar manifestantes detidos ou para posicionar-se sobre a validade de normas ou pedidos de responsabilização do Estado por abusos cometidos, na maior parte do tempo os tribunais acabaram chancelando a postura repressiva dos poderes Executivo e Legislativo em relação ao direito de protesto.

Neste último ponto, um caso salta aos olhos. Trata-se de detenção de Rafael Braga, em 2013, por estar de posse de um frasco de desinfetante e um de água sanitária próximo a um protesto realizado no Rio de Janeiro. Braga estava em situação de rua à época e permanece preso até o momento, fato que suscita o debate sobre a seletividade penal do Judiciário nas manifestações.

Para que o direito à liberdade de expressão não seja apenas letra morta na Constituição, é preciso que o Estado brasileiro dê um giro de 180 graus na forma como vem tratando as manifestações de rua nos últimos anos e cesse de uma vez por todas essa onda de violações. O fim da impunidade em casos notórios de violência policial e a interrupção do ímpeto de criminalizar manifestantes no Judiciário podem ser um bom passo inicial neste sentido.

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